Para entendermos qual a razão de tantos processos, recursos, instâncias, últimas instâncias e tudo isso que está paralisando o cenário político brasileiro em 2016 – é importante saber que o Regime Democrático, sistema político Brasileiro atual, se baseia na separação de poderes do Estado. Isso significa dizer que existe uma divisão entre Executivo, Legislativo e Judiciário e, embora o Governo seja único, essa separação se fundamenta na atribuição de uma função determinada e delimitada a cada um dos poderes de Estado, que deve ser exercida com total independência em relação aos outros.
O responsável por fazer as leis e os códigos processuais é o Legislativo – com o trabalho dos senhores deputados e senadores no Congresso Nacional, personagens esses que foram eleitos pelo povo. Já ao poderExecutivo, cabe executar as leis e gerenciar o Estado e os personagens, também eleitos pelo povo, são: o presidente, governadores, prefeitos e vereadores. O poder Judiciário é quem fiscaliza o cumprimento das leis.
O interessante deste processo de separação de poderes, que muitos países utilizam é saber que ele tem a finalidade de impedir a concentração de poder e fazer com que este – uma vez dividido – possa fiscalizar-se e impedir-se de cometer abusos contra os cidadãos que governa.
A história relata que o precursor dessa teoria de separação dos poderes em corrente tripartite, foi Aristóteles, em sua obra “A Política”. Mais tarde este modelo foi retomado pelo filósofo inglês John Locke, no “Segundo Tratado sobre o Governo Civil”. Porém, a teoria da tripartição como conhecemos só foi fundamentada a partir da obra: “O Espírito das Leis“, do francês Montesquieu, que a defendia como impedidora da concentração de poderes do absolutismo. Depois, o princípio foi adotado na Constituição de 1791 da França (criada após a Revolução Francesa) e inspirou as democracias modernas, como a República brasileira.
A Política, Justiça, e o STF
Atualmente, neste ano de 2016 é comum ouvir os políticos falando nas entrevistas a seguinte frase: “isso será barrado no STF”. Sabemos que a Política e o direito são áreas diferentes, mas que, frequentemente, se interlaçam. Também é claro que o poder Judiciário deve respeitar os atos dos poderes Executivo e Legislativo. Porém, se esses ‘poderes’ contrariarem a Constituição ou desrespeitarem algum direito fundamental – o poder Judiciário é o responsável em defender os interesses da população e invalidar atos e leis do Congresso.
Em uma democracia com uma sociedade plural, existe espaço para os debates conservadores, liberais e progressistas – afinal, essa é a natureza do regime democrático. Ou seja, existe espaço para o surgimento de qualquer tipo de pauta. No entanto, algumas demandas da sociedade são “travadas” no Congresso por causa do perfil ideológico das bancadas, porque o custo político pode ser alto ou porque existe uma minoria que não é representada. .
Recentemente, o cientista social Luiz Werneck Vianna escreveu que o Judiciário brasileiro se transformou em espaço não apenas para a defesa dos direitos, mas, também, para a aquisição deles. Nesse sentido, o Poder Legislativo estaria incapaz de decidir sobre os conflitos contemporâneos devido à crise de representatividade dos parlamentos e a consequente falta de contatos com esses novos atores sociais. Assim, os tribunais praticam uma espécie de “ativismo”, reconhecendo e garantindo diversos novos direitos.
Vale a pena relembrar que nos últimos anos, as questões mais polêmicas no Brasil saíram da esfera do Congresso e foram parar no plenário do STF. Entre os julgamentos históricos, se encontram o caso Cesare Battisti, a validade da Lei da Ficha Limpa, o uso de células-tronco, a legitimidade das cotas raciais em universidades e a denúncia do mensalão.
A palavra “Supremo” não é à toa. Ele foi criado em 1891, dois anos após a proclamação da República (1889). O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102 da Constituição Federal – ele é a instância máxima do Poder Judiciário, não havendo nenhum órgão judiciário acima dele. Ou seja, sua decisão não pode ser revista ou anulada por nenhum outro órgão.
O Supremo Tribunal Federal é composto por onze Ministros, brasileiros natos (art. 12, § 3º, IV, da CF/88), escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101 da CF/88), e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. O Presidente do Supremo Tribunal Federal é também o Presidente do Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B, inciso I, da CF/88, com a redação dada pela EC nº 61/2009). O Tribunal indica três de seus Ministros para compor o Tribunal Superior Eleitoral (art. 119, I, a, da CF/88).
Entre suas principais atribuições está a de julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da própria Constituição e a extradição solicitada por Estado estrangeiro. Na área penal, destaca-se a competência para julgar, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, entre outros.
Ele funciona assim: os 11 ministros votam e a maioria “ganha”. Cada processo tem um relator, que acompanha e descreve cada passo dele aos demais ministros. Se a votação empatar, o presidente da corte tem o voto definitivo ou decide-se em favor do réu. Outros tipos de casos que STF julga são os crimes do alto escalão. E como já dissemos a corte também julga os crimes cometidos pelos representantes do alto escalão do governo, como presidente da República, senadores, deputados federais, ministros de Estado e procurador-geral da República.
O que é a judicialização da política?
Alguns cientistas políticos entendem que um Poder Judiciário forte e independente é indispensável para preservação da democracia e dos direitos fundamentais. Mas existem críticas em relação aos limites da justiça. A expressão “judicialização da política” é usada para o caso em que a Justiça ocupa um espaço que pertenceria ao Legislativo. Ou seja, o que deveria ser resolvido no plenário é resolvido na justiça.
Esse fato acontece quando a classe política entra com recursos em tribunais para resolver conflitos ou questões que originalmente poderiam ser resolvidas com autonomia em debates na arena política.
Quem não lembra que em setembro de 2015, o STF foi questionado sobre o financiamento empresarial das campanhas políticas e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com uma ação que pedia a declaração da inconstitucionalidade de empresas participarem do financiamento eleitoral.
O STF então decidiu votar pelo fim desse tipo de financiamento (conspirado por ele inconstitucional), autorizando a doação apenas por pessoas físicas. Antes dessa ação do Supremo, o Congresso havia votado uma PEC para aprovar novas regras para as doações de empresas. Caso seja aprovada pelo Senado, a PEC tiraria a eficácia da decisão do STF.
Outro caso foi em dezembro de 2015, quando o STF acatou o pedido do partido PCdoB que questiona o rito do impeachment presidencial. A alegação do partido é que há trechos da lei, de 1950, que precisam ser interpretados de acordo com a Constituição de 1988. O Supremo derrubou a comissão especial criada na Câmara dos Deputados pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB), para analisar o impeachment por meio de uma chapa alternativa criada de última hora e majoritariamente composta por parlamentares da oposição.
É importante saber que o rito de impeachment é uma questão constitucional e a Corte decidiu que o trâmite guiado por Cunha na Câmara não estava correto, e como no caso Fernando Collor, a Câmara apenas autoriza o seguimento do processo, mas quem cassará ou não a presidente será o Senado, por maioria absoluta em votação no plenário.
Talvez um dos maiores entraves atuais seja que o excesso de ‘judicialização’ da política faça com que o Congresso tenha menos autonomia, já o Poder Judiciário ganhe margem para “superpoderes”, discutindo temas afetos ao Legislativo, muitas vezes de forma autoritária Ou ainda, ter sobrecarga de trabalho, gerando uma maior burocracia e tornando a Justiça mais lenta. A judicialização pode levar pautas ao STF que poderiam ser resolvidas em outras instâncias.
Encerramos este, sabendo desse delicado equilíbrio entre os poderes e certos de que o STF não pode avançar onde não houver uma afronta direta e efetiva a uma norma constitucional. Por outro lado, quando o Legislativo e o Executivo não agem ou não conseguem produzir consensos, essas questões podem ser resolvidas em uma esfera que valoriza a matéria jurídica, o interesse público e a defesa dos direitos do cidadão.