Era da transparência. Sejam bem-vindos. A geração conectada não quer saber de bullshits. A empatia real entre empresários, fornecedores e clientes formam a tríade fundamental para a saúde de um negócio. Algumas empresas estão acordando para isso. Muitas no tranco.
Contrariando os mais preguiçosos, o New York Times publicou um textão ontem à noite sobre a meta atual da Uber: conquistar empatia.
Vamos lembrar o início da história no Brasil? A empresa chegou feito um raio revelador do ódio reprimido dos taxistas. Desabafamos coletivamente e nos conectamos pelo modelo de transporte que conecta pessoas com carros próprios que prestam serviços de motoristas conectados com os clientes pelo aplicativo. Lindo. Até que as tretas foram instauradas.
Não custaram muitos meses para a era de ouro da Uber virar passado. No Brasil e no mundo. Carros batendo biela, motoristas despreparados, tarifa dinâmica e um vendaval de desprazeres. Os sentados com a mão no volante também botaram o desabafo para correr. Risco de assalto e baixa remuneração desmotivou muita gente que descobriu o aplicativo como alternativa para aumentar a renda familiar.
O negócio que começou no Vale do Silício já expandiu para 70 países atingindo a avaliação de 70 bilhões de dólares. Por onde o modelo se instaura, sacode o debate público sobre transporte e tributações.
O que não esperávamos era que a sacudida fatal viria de dentro da própria empresa. O clima de hostilidade entre os funcionários da Uber já era papo frequente entre os mais ligados no universo de startups. Até que Susan Fowler, uma engenheira que deixou a companhia em dezembro, desabafou em seu blog sobre um longo histórico de discriminação e assédio sexual defendendo que a cultura hostil seria fomentada pelos líderes da empresa.
Em Fevereiro, o próprio CEO Travis Kalanick contribuiu para a fachada cair. Um video dele tratando com desrespeito um motorista do Uber circulou pelas redes e ganhou as manchetes do planeta. O imbróglio estava posto. Num grau de temperatura que se passou a questionar todo o modelo da empresa.
Quando tudo parece se derreter em direção ao ralo, uma notificação do New York Times trás a esperança: a companhia recuou e assumiu que precisa investir melhor em seus motoristas parceiros. Assumiu as falhas e se coloca disposta a repensar todo o negócio a fim de reconstruir o amor inicial dos usuários.
Ufa.
Assumir o erro e estar disposto a recomeçar. Usar a tecnologia a favor da empatia. Disciplinas básicas que a Uber parece ter se matriculado recentemente.
Enquanto preparava a coluna da CBN na noite de ontem, Miguel, meu filho de 15 anos se aproximou curioso sobre o assunto que eu pesquisava. Perguntei qual a empresa que ele mais admira. Para minha surpresa, uma companhia de jogos polonesa chamada CD Porjekr RED. O motivo era bem peculiar. A empresa teria se retratado depois de um erro, com uma carta e um bônus de crédito para ele usar novos jogos na faixa. As empresas que atendem os jovens consumidores da era digital parecem aprender mais rápido que os unicórnios mamutes high-tech como o próprio Uber.
Gesto de cidadania foi o tema do meu papo com o filósofo Mario Sergio Cortella no lançamento do nosso livro “Basta de cidadania obscena!”, na última quinta-feira com a Livraria da Cultura lotada. Para a minha surpresa, centenas, ou mais de mil pessoas, saíram de suas casas para debater pessoalmente conosco sobre cidadania.
Foi dado o sinal. Precisamos aprender a ser cidadãos. Não só parecer sê-lo.
E seguimos aprendendo juntos.