O Wikileaks revelou que sou um espião norte-americano infiltrado no Brasil. Só que não. Recentemente, esta foi a interpretação de alguns clicadores apressados que se informam nas marolas das redes sociais. Me surpreendi com a novidade. Fui atrás de identificar as fontes do ruído. Para minha surpresa, encontrei posts de dois jornalistas maduros, que respeito e admiro. Daí, a razão de abordar o assunto nesse texto e na minha coluna semanal na rádio CBN (link acima).
Vamos aos fatos: no meio do vendaval do Big Data do Wikileaks, vazamento histórico em massa de dados confidenciais de governos, estava o meu nome. Sim, meu nominho aparece lá no meio do furacão de informação trocada entre autoridades do governo norte-americano. Confesso algo muito íntimo: me senti importante.
Fui citado pelo principal assessor de tecnologia do governo Obama como um influenciador relevante nas redes sociais brasileiras. Para demonstrar meu poder de influência, Alec Ross, o assessor, um dos principais articuladores da campanha Obama na internet, dá um exemplo de um RT que dei num post dele no Twitter. Em bom português, eu retuitei uma mensagem de Ross e o volume de engajamento impressionou o norte-americano a ponto dele escrever um e-mail para a equipe de Hillary Clinton, na época ministra de Relações Exteriores de Obama, comentando o feito.
A divulgação dos e-mails tem mais de um ano. Em outubro de 2015, foi notícia na Folha de S. Paulo, que me procurou para comentar o episódio. Agora, um ano depois, a notícia velha foi requentada por dois jornalistas maduros que, como já disse, merecem a minha atenção. Só que, ao contrário da Folha, nenhum dos dois me procurou. Magoei…

A Folha.com explicou a troca de e-mails em 2015.
Reprodução folha.com
Gleen Greenwald, é um jornalista e blogueiro norte-americano que vive no Rio de Janeiro. Gleen republicou a notícia de um ano atrás com a imagem do e-mail grifada didaticamente mostrando os autores dos e-mails nas suas redes sociais (imagem abaixo). Comentou seu “achado” com um adjetivo: interessante!
Durante a minha vida profissional, aprendi que devemos evitar adjetivos no jornalismo. Também aprendi com o mestre do teatro Antunes Filho que o uso da palavra “interessante” deve ser evitado em conversa entre adultos por uma razão simples: a pessoa que usa “interessante” demonstra não saber exatamente o que dizer sobre um assunto. Com o devido respeito, suspeito ser o caso do cuidadoso jornalista Greenwald, cujo domínio do português desconheço. O norte-americano fez parte da equipe do jornal inglês The Guardian, premiada com um Pulitzer, por revelar o Wikileaks para o mundo numa série de reportagens. Hoje, Greenwald vive no Rio e cuida de um blog chamado The Intercept. Quando um jornalista da importância dele usa o termo “interessante”, com o meu nome destacado, as mentes inquietas dos teóricos da conspiração do Facebook vão à aceleração máxima. Cada uma fritando os miolos e interpretando o adjetivo “interessante” da sua forma.

E-mail trocado pelos assessores do Barack Obama “vazado” pelo Wikileaks e compartilhado por Glenn Greenwald @ggreenwald
Reprodução Twitter
A segunda fonte de ruído que me alçou ao posto de James Bond tupiniquim foi Luis Nassif. Já dediquei minha atenção e respeito ao veterano jornalista antes da adesão cega dele ao petismo. Nassif, ao invés de usar a imprecisão da palavra “interessante”, foi assertivo na informação, ou “narrativa”, que disseminou aos seus camaradas. Disse com todas as letras que fui “cooptado” pelo tio Sam, com direito à minha imagem ao lado do velhinho de barba (vejam com seus próprio olhos o furo de reportagem de Nassif abaixo). Foi além: explicou o passo-a-passo de como fui cooptado por Hilary Clinton. O “furo” do experiente jornalista saiu mais de um ano depois da notícia da Folha. Vejo ainda talento para fanfic do autor que, na sua fantasia, informa aos seus incautos leitores que na ocasião eu tomei um cafezinho com a candidata à presidência dos Estados Unidos. Puxa, Nassif, nunca pensei que você me tivesse em tão alta conta.

Luis Nassif escreve sobre meu cafezinho com Hilary – o que nunca aconteceu.
Reprodução jornalggn.com.br
Para tentar acalmar os ânimos de Greenwald, Nassif e dos contra espiões das hashtags modernas, continuo o textão com minha versão dos fatos! Tá acabando, vamos lá:
Sim, confesso, em Abril de 2011, convidado pela Embaixada norte-americana, me encontrei com Alec Ross, na época assessor de tecnologia do governo Obama. Não foi num bunker secreto de segurança máxima. O cafezinho foi no modernoso Octavio Café, à luz do dia, diante dos atribulados executivos que circulam pelo horário comercial na avenida Faria Lima. Rolou ainda um segundo cafezinho, dois anos depois, em Fevereiro de 2013, quando estive de férias em Washington- DC, onde mora meu filho mais velho. Desta vez foi num Starbuck’s, mais simplinho. Espião descuidado que sou, publiquei uma foto do encontro “secreto” no meu Instagram.

Tomando um cafezinho com Alec Ross, assessor do Barack Obama e sem a companhia de Hilary Clinton.
Arquivo pessoal
Ross é pioneiro no uso das redes para o marketing político. É considerado o guru digital de Hillary Clinton, com quem trabalhou no Departamento de Estado. Trocamos informações e insights sobre a revolução digital e o novo rumo das coisas nos negócios, na política e em nossas vidas. Entre um macchiato e outro, Alec me perguntou solemente se eu sabia a razão dos brasileiros serem tão engajados em tecnologia e redes sociais. De sopetão, sugeri que ele aprendesse uma única palavra em português: gambiarra! No mesmo dia, ele comemorou o aprendizado da nova palavra num post no Twitter dele. Ganhei alguns seguidores na Casa Branca naquela tarde 🙂

Reprodução Twitter
Mas vamos ao que teoricamente mais importa: qual o conteúdo da misteriosa mensagem de interesse do governos americano que eu espalhei pela minha rede? A mensagem segue na íntegra, acreditem, abaixo. Trata-se de um #FF, o Follow Friday, algo comum na época quando no final do expediente da semana brincávamos de sugerir perfis a serem seguidos no Twitter. Numa sexta, 12 de Agosto de 2011, eu sugeri como um #FF o perfil do Alec Ross, retuitando um post dele pedindo paz na Síria. Hoje, eu continuo pedindo paz na Síria, seguindo o @AlecJRoss e também sugerindo aos interessados na comunicação digital que sigam o moço. O cara sabe das coisas. Acaba de lançar “The Industries of the Future”, livro que já frequenta a lista de mais vendidos do The New York Times.

A mensagem de Alec Ross que retuitei em 2011 chamou a atenção do tuiteiro que era assessor de Barack Obama
Reprodução Twitter
Voltando à vida real, fica a lição: vamos aprender a ler e interpretar os fatos sem fantasias. Vivemos a era do “big data”, isto é, volumes gigantescos de dados gerados. Quem domina as ferramentas para analisar o caos são capazes de produzir inteligência e até muito dinheiro. Ao mesmo tempo, a mesma base de informações pode virar uma armadilha para leitores ansiosos que contribuem para mais um banco de big data: as mentiras que a Internet conta.
É isso. O resto é ruído.